segunda-feira, 14 de junho de 2010

SONATAS

UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS
ESCOLA DE MÚSICA E ARTES CÊNICAS
Disciplina: Literatura e Repertório para Piano I e II
Profª Gyovana Carneiro



SONATAS

O termo sonata indica uma peça musical, quase sempre instrumental e geralmente em vários movimentos, para um solista ou pequeno conjunto. No séc. XVI era utilizado em oposição ao termo cantata, ou seja, era a versão instrumental soada de uma peça vocal.
No séc. XVII, sem adotar esquema bem definido e assumindo um aspecto de ricercare, de um prelúdio ou de uma abertura, a sonata vai acabar fundindo-se com a suite de danças. Até 1650-70 apresenta uma equivalência com a "canzone", tipo de composição instrumental dos séc. XVI e XVII, originalmente um arranjo de uma chanson polifônica francesa. A canzone para teclado, representada em sua melhor forma por Frescobaldi, e a canzone de conjunto, levaram respectivamente à fuga e à sonata.
Até essa época as Sonatas ainda eram escritas em um movimento. Como exemplo, Giulio Cerase Arresti (1625-1704) com sonatas para órgão e Carlos Seixas (1704-1742) com Sonatas para teclado. Foi Corelli (1653-1713) quem desenvolveu a Sonata em vários movimentos, alternando andamentos rápido-lento-rápido.
Por volta de 1670-1680, os italianos estabeleceram uma distinção entre sonata da chiesa (sonata de igreja) em quatro movimentos e a sonata da camera (sonata de câmara) em três movimentos, ambas escritas com freqüência, para dois tipos de formações instrumentais: um violino solo e contínuo (sonata de solista), e dois violinos e contínuo (sonata a três ou sonata-trio), tendo como exemplo de compositores que escreveram para essa formação: Bach, Corelli, Handel e Purcell.
Após 1700, a sonata solo para instrumento melódico e baixo tornou-se mais comum. Para instrumento solo sem acompanhamento eram mais raras. Como exemplo, cita-se as sonatas para violino de Heinrich Biber e J. S. Bach, para cravo de Handel e para órgão de Bach.
O séc. XVIII inaugura a sonata bitemática, cujas regras serão fixadas por Carl Philipp Emanuel Bach, que começa a estabelecer o plano da sonata clássica. O ponto de partida para o desenvolvimento da sonata para teclado, característica do período clássico, foram as sonatas de Scarlatti, Domenico Alberti e C. P. E. Bach.


À medida que o clavicórdio e cravo eram superados pelo piano, a sonata continuava a ocupar posição importante nas obras de Haydn, Clementi, Mozart, Beethoven.


ESQUEMA SONATA CLÁSSICA

• PRIMEIRO MOVIMENTO (allegro de sonata)
Forma-sonata
Exposição:
- 1º tema na tonalidade principal
- transição modulante para o tom da dominante
- 2º tema na dominante
- cadência final na dominante
Repetição da exposição
Desenvolvimento:
- trabalho de fragmentação e de modulação dos 2 temas preparando a volta à tônica
Re-exposição:
- 1º tema no tom principal
- transição não modulante
- 2º tema no tom principal
Coda eventual

• SEGUNDO MOVIMENTO (movimento lento)
Forma-lied
A: - tema inicial evoluindo para a dominante
- transição modulante, indo igualmente para a dominante
- re-exposição do tema inicial, concluindo na tônica
B: - seção central modulante
A': - repetição de A eventualmente modificada
ou
Tema com variações / Rondo / Fantasias livres / AB

• TERCEIRO MOVIMENTO
Minueto ou scherzo
A: 1ª seção
B: trio
A': repetição de A, às vezes modificada

• QUARTO MOVIMENTO (final)
Forma-sonata
e/ou
Forma-rondo (alternância tema-episódios) / Variações

Características principais: o 1º movimento geralmente é escrito na forma sonata. O movimento lento também pode se aproximar da forma sonata, com menos desenvolvimento e estrutura de fraseado mais simples, podendo apresentar outras formas, tais como: ABA; AB; rondos; variações; fantasias livres. As formas mais usadas para os movimentos intermediários e finais são: minueto ou scherzo; rondo ou sonata-rondo; variações.

Joseph Haydn (1732-1809)
É fácil subestimar a importância de Haydn tanto no curso geral da história da música quanto como compositor para piano. Um pequeno olhar mais atencioso pode perceber suas qualidades; mesmo que sua grandiosidade em outros campos seja mais aparente, a qualidade de suas sonatas para piano e outras peças menores é comparável à das que se destacam nos quartetos de cordas e sinfonias. Entre essas qualidades pode-se perceber sua liberdade e ausência de quadratura na estrutura rítmica e também seu humor e sua ousadia inventiva.
Primeiras Sonatas: mesmo sendo extremamente simples na forma e conteúdo, já contém elementos da técnica que Haydn desenvolveu posteriormente com sofisticação e variedade. As formas são encontradas, com freqüência, transformadas anos mais tarde, em organismos mais complexos, mas claramente ligados a essas obras simples do início. A estrutura mais característica dessas primeiras obras é o minueto como último movimento de muitas sonatas, ou finais com caráter de rondos brilhantes, sendo o 1º movimento em forma binária, claramente relacionado à forma sonata. Outra forma que aparece nessas primeiras sonatas é a variação, mas não ainda a forma de variação que contrasta dois temas, geralmente um Maior e outro menor. As seções de trio dos minuetos freqüentemente incluem síncopes, uma alusão ao cromatismo expressivo ou uma linha de baixo contínuo, que sugerem a influência do Barroco. Essa é uma indicação importante de que Haydn se utilizava de tradições do passado, mesmo durante o amadurecimento de sua própria individualidade. Existe também uma considerável variedade de finais, desde movimentos breves em 3/8 até movimentos brilhantes em 2/4. É importante notar o uso de pausas como parte integrante da fluência melódica.
Esta primeira fase compreende as Sonatas de nº 1 a 30, sendo que as de nº 21 a 27 estão perdidas, o que forma uma lacuna lamentável, visto que é perceptível o desenvolvimento que se deu nas sonatas posteriores a esse período.
Sonatas do período central: o alargamento dos horizontes de Haydn já é visível na Sonata nº 31. O 1º movimento é caracteristicamente sinfônico. Durante o final da década de 1760 a 1770, o movimento (principalmente literário), conhecido como "Sturm und Drang" (tempestade e drama) dominou o mundo artístico europeu, com sua nova ênfase na expressão emocional mais evidente. Na música, as características eram os novos contrastes de tonalidade, textura, dinâmica e extensão instrumental, bem como exploração de tonalidades até então raramente utilizadas. O "Sturm und Drang" das sinfonias de Haydn se tornaram bem conhecidos e as mesmas influências podem ser percebidas nas sonatas desse período.
O ponto culminante do "período central" é a Sonata nº 53 em mi menor, sendo que as de nº 54 a 57 também fazem parte desse período.
Sonatas do último período: a verdadeira demonstração de sua maturidade acontece na Sonata nº 58 em Do M, peça em dois movimentos, mas concebidos em uma escala mais abrangente.
Características principais: as sonatas são tratadas como música leve, de cunho didático, concebidas na maneira do classicismo vienense, mantendo um estilo altamente pessoal, não sofrendo influências de Mozart. Faz uso do baixo d'Alberti, ornamentos, tercinas e acordes quebrados para a mão esquerda, escalas como parte da melodia, frases curtas e delineadas, com cadências bem definidas. A maior influência foi a de C. P. E. Bach.

Muzio Clementi (1752-1832)
Considerado o pai da execução pianística, deixou, além de seus estudos técnicos, uma grande quantidade de música séria para piano, algumas delas merecendo a admiração de Beethoven. Suas sonatas não tiveram a mesma popularidade das Sonatinas, mas possuem grande qualidade musical. Dois volumes foram publicados, contendo 12 sonatas.

Wolfgang A. Mozart (1756-1791)
Apesar de os maiores exemplos da genialidade de Mozart como compositor para piano estarem nos Concertos, a lista de obras para piano solo contém muito de seu charme característico. A aparente simplicidade das sonatas, em contraste com os arroubos de paixão e virtuosismo dos Concertos, é, na verdade, uma forma de conferir às sonatas uma atmosfera mais intimista. As exigências técnicas nas sonatas variam pouco do primeiro grupo ao último, indicando que a prodigiosa e precoce técnica de Mozart permaneceu pouco alterada. Suas cartas proporcionam freqüentes vislumbres de suas firmes opiniões sobre o assunto. Uma para Nannerl, de 7 de junho de 1783, recomenda mãos serenas e pulsos flexíveis e deplora a velocidade incorreta. "Supondo que você realmente toque sextas e oitavas com a máxima velocidade (o que ninguém consegue fazer, nem mesmo Clementi), só produz um abominável efeito cortante e absolutamente mais nada". Em outro ponto, ele insiste na atenção meticulosa à dinâmica e ao andamento estrito que deviam ser observados pela mão esquerda, quando a direita está tocando em tempo rubato em um adagio.
Em suas 17 sonatas, Mozart segue o caminho traçado por Haydn e C. P. E. Bach; no entanto, explora, mais do que Haydn, as qualidades expressivas do piano, principalmente nos andamentos lentos. E à medida que vai amadurecendo, Mozart começa a dar maior importância aos processos de desenvolvimento ao construir pontes de ligação entre um tema e outro. Nos primeiros movimentos, comumente na forma-sonata, os temas são contrastantes. Os rondos finais são, geralmente, vibrantes, vivos e alegres. Ocasionalmente, insere cadências, um procedimento estranho para uma sonata clássica, mas uma clara evidência da influência de C. P. E. Bach.

Ludwig van Beethoven (1770-1827)
Escreveu 32 Sonatas
1ª fase: dependência em relação à tradição clássica
- op 2 nº 1, 2 e 3: dedicadas à Haydn; 4 andamentos
- op 7: pausas eloqüentes (característica de Beethoven); 3º movimento: trio minueto
- op. 10 nº 1, 2 e 3
- op 13 (Patética): 1º e 3º movimentos: caráter tempestuoso e apaixonado; andamento lento calmo, profundo e ricamente ornamentado
- op. 14 nº 1 e 2
- op. 22
- op. 26: marcha fúnebre como 3º movimento
- op. 27 nº 1 e 2 (ao luar): “quasi una fantasia”
- op. 28 (Pastoral)

2ª fase: vasta gama de estilos e formas – a partir de 1802: cria sonatas com dimensões mais amplas; começa a tratar a forma sonata com maior liberdade; só utiliza os elementos Clássicos que não venham interferir na expansão dos horizontes de sua imaginação.
- op 31 nº 1, 2 (Tempestade) e 3: quase experimentais (como se Beethoven tivesse adquirindo forças para compor as obras-primas que estavam por vir: op. 53 e 57)
- op. 49 nº 1 e 2 (Sonatas fáceis): possivelmente escritas anteriormente por Beethoven e, provavelmente enviadas para o editor pelo irmão de Beethoven, já que este não demonstrara desejo de publicá-las.
- op 53 (Waldstein / Aurora): clímax da escrita para piano
- op. 54: sonata miniatura em dois movimentos
- op 57 (Appasionata): evolução da sonata clássica de 3 andamentos - rápido/lento/rápido; forma sonata, rondó ou variações; esquemas formais foram dilatados em todos os sentidos de modo a poder abarcar o desenvolvimento e a conclusão natural de temas de uma tensão e uma concentração excepcionais.
- op. 78 (A Thérèse): preferida de Beethoven; espírito quase ingênuo; uma obra-prima em minatura.
- op. 79: Sonatina ou Sonata fácil; três pequenos movimentos, sendo cada um deles trabalhado brevemente, apenas com uma sugestão de procedimentos formais. Não há pretensões de ser grandiosa.
- op 81a (Das Lebewohl / Les Adieux): semi-programática; a única sonata que sugere idéias extra-musicais. Dedicada ao arquiduque Rudolph da Áustria, que teve de deixar Viena por causa da invasão do exército francês de Napoleão (1º mov: Les Adieux / 2º mov: L’Absence / 3º mov: Le Retour)
- op 90: 2 andamentos - forma sonata concisa; sonata-rondo - grande inspiração lírica

3ª fase: exploração intencional dos temas e motivos até o limite de suas potencialidades; variações; efeito de continuidade obtido através do obscurecimento deliberado das linhas divisórias.
As últimas cinco sonatas: op 101, 106 (Hammerklaviersonate), 109, 110, 111, junto com as Variações op 120 sobre um tema de Diabelli, apresentam os mais profundos e sutis problemas de interpretação já encontrados na obra de algum compositor para piano. Parte da dificuldade vem da simplicidade ilusória das idéias musicais, que são investidas de uma profunda emoção e quase profética exaltação que requer qualidades excepcionais de dedicação e critério musical, se o objetivo for uma performance adequada. Não existem composições que compensam tão grandemente toda uma vida de estudo de um pianista.